quarta-feira, abril 04, 2007

Vizinhos

O alarme toca. Seis horas da manhã, hora de acordar. Seu Luís olha o relógio, dá o característico tapinha no botão para desligar, o barulho continua. Esfrega as mãos no rosto, acorda de verdade, associa esse som irritante e conclui o mesmo de todas as manhãs:

- Maldito seja esse mal-amado!

Seu Luís se referia a Jorge, um ex-coronel da aeronáutica de setenta e dois anos que serviu na Segunda Guerra. Seu vizinho há vinte, dos quais seu Luís passou dezenove anos e onze meses planejando como matá-lo. No primeiro mês de mudança, seu Jorge estava muito ocupado arrumando tudo, então era impossível saber que ele usaria esses dezenove anos e onze meses seguintes dando motivos para tal dedicação.
Não seria qualquer morte, mas algo torturante, muita dor, dor. Mais dor! Respiração, calma, relaxamento.. DESCARGA NINJA DE DOR INSUPORTÁVEL(a parte favorita dele)! Repete-se o ciclo 5 vezes e, finalmente, morre. Essa seria a fórmula do assassinato perfeito para o velho implicante que seu Luís havia desenvolvido em todos esses anos. O que o impedira de executá-la várias vezes foi não ter achado uma solução para fazer parecer um acidente, não queria incriminar quem não tivesse nada a ver com a história.
Até que numa noite de chuva, mudou de idéia, incriminaria alguém já que não existia outra solução, livraria-se do encosto a qualquer preço. O velho Jorge havia aprontado outra: enquanto seu vizinho saíra, pegou todos os sacos de lixo próximos e colocou na garagem de seu Luís, quando esse chegou, precisou descer do carro - na chuva, lembre-se - para tirar os dez sacos. Mas quisera ele ter sido simples assim, o ex-coronel havia rasgado o fundo de todos os sacos. Não é preciso dizer que seu Luís levou mais de vinte minutos pra tirar todo aquele lixo de sua garagem. Tudo enquanto seu vizinho, sentado na varanda apreciando o show, tomava uma xícara de café bem quente com prazer estampado no rosto, não mudando a expressão nem quando se queimou.
Seu Luís nem trocou de roupa. Sentou em sua poltrona e pôs-se a pensar alto:
- Um tiro.. Não, muito comum. Trezentos e cinquenta e sete facadas.. Não, muito cansativo. Já sei! Um susto! Um belo susto!
Dormiu como nunca havia dormido antes, ignorou os três papagaios que seu Jorge fazia questão de colocar perto de sua janela, os dois cachorros que discutiam a noite inteira.
Acordou com um sorriso, mesmo que tenha sido às 4:30 da manhã com um telefonema "anônimo":

- Alô? - disse seu Luís.
- Alô! - disse a voz.
- Quem fala?
- Agora eu, é minha vez.
- Gostaria de falar com quem?
- Com você, não mora mais ninguém aí.
- E você sabe quem eu sou?
- Não, mas posso te indicar um bom detetive pra você descobrir.
- O mesmo que descobriu que a tua mulher te traía?

Clic.

Estava de bom humor, era impossível negar. Saiu às oito horas com a sua melhor roupa e foi ao shopping. Passou uns minutos tentando se lembrar em que parte ficava aquela loja de fantasias. "Seria no segundo andar?". Não conseguia lembrar, mas era um dia feliz, então não teria problema colocar a dignidade - ou a teimosia, você escolhe - de lado e perguntar de alguém.

- Fica no segundo andar, do lado do quiosque de pretzel. E quando você passar ali, aproveita e pega uma amostra! Hoje estão servindo o de goiaba, o melhor de todos, levemente doce, incrivelmente suave, algumas pessoas dizem que o melhor é o..

Ouviu durante dois minutos e meio porque, afinal, era um dia feliz. Agradeceu, sorriu e seguiu seu caminho em direção à loja. Passou pelo quiosque de pretzel, provou o de goiaba - que era realmente muito bom - e entrou na "Fantasias da Vovó", pensou em alguns trocadilhos, duplos sentidos, mas logo focou seu objetivo principal outra vez.

- Você tem algum uniforme da Gestapo? - perguntou.
- Hein? - respondeu o atendente de forma objetiva.
- Da Gestapo.
- Em que filme apareceu esse monstro? É tanta fantasia que me confunde.
- Tem algum uniforme nazista?
- Ah, esse tem sim! Só um minutinho que eu vou pegar.

Enquanto esperava, olhou à sua volta imaginando porque alguém se fantasiaria de uma esponja amarela que usa bermuda. Vai entender esse mundo de hoje, né, seu Luís?

- Achei - retorna o atendente.
- Perfeita - observa -, quanto?
- Alugar ou comprar?
- Comprar - pensou que valeria a pena ter como lembrança.
- Comprar sai por duzentos.
- Duzentos numa fantasia?
- Mas essa tem até aquela plaquinha com as cobrinhas dentro, a "swat" - apontando pro símbolo nazista.
- Huuuum - seu Luís respira, conta até dez, imagina um lindo campo verde com céu azul -, tá, eu vou levar, já que essa tem até a "swat".

Saiu da loja um pouco estressado, lembrou do que faria mais tarde, sorriu outra vez. Pegou outro pedaço de pretzel, sorriu ainda mais. Chegou em casa, sentou na poltrona - ainda úmida devido ao dia anterior -, viu um pouco de TV, perguntou-se outra vez qual o sentido de uma esponja amarela de bermuda e esperou calmamente até que o relógio mostrasse duas e meia da manhã.
Vestiu o uniforme da Gestapo, colocou um bigode falso imitando Hitler, pegou um velho rifle seu que nunca funcionou, caminhou em direção à casa de seu Jorge, entrou pela porta dos fundos - ele sempre deixou a chave no vaso de plantas -, dirigiu-se ao quarto, encontrou a vítima deitada como havia imaginado.
O führer ficou em pé na cama, apontou o rifle que não funciona para seu inimigo, encheu os pulmões e:

- INVASÃO NAZISTA! AH!

Nada.

- PERIGA ALEMON!

Nada.

Estranho. Pôs a mão sobre a carótida. Não respirava. Começou a bater no peito do morto com raiva, gritando, acordou os vizinhos, os vizinhos chamaram a polícia, a polícia chegou, achou seu Luís armado em cima do cadáver. Foi preso em flagrante, homicídio doloso.

...

Dizem as más línguas que ficou preso por apenas dois anos até perceberem que não deveria estar ali, só então foi mandado a um hospital psiquiátrico onde repete sem parar, ainda com o bigode do führer:

- Maldita seja esse mal-amada!

5 comentários:

  1. essa última frase me lembra o diego.
    sdahiudhsauidsa


    amei bó, vc arrasa!
    bate o/_o
    o/\o

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  2. Thiago disse...

    ahuhuahuauhauahauhhuahuauhauuauhaa
    muito foda
    me lembra aquele filme Duplex, que tem uma velha assim mesmo

    huahuahuhua

    abraço aii =*

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  3. caraaaaaalhooo maaaan eu quero entrar na tua cabeça euiheiuaheuiaue tem alguma portinhazinha que posso entrar
    de onde tu teve essa ideia? eiuhaiuhiuheaaiu pqp

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  4. 'cause to stand up out in the crowd, you are one in a million and i love you so, let's watch the flowers grow!
    <3

    travis - flowers in the window

    gê-éle-ésse-ésse-ésse!
    yuv you bó :*

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  5. ioehiheiheiuheiuheiuhee
    caralho bicho, realmente fantástica essa história!
    "Swat"foi ótima, vc está se tornando um mestre em sagacidade!
    abraços!

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