sexta-feira, março 06, 2009

Como decidi me mudar

(uma crônica sobre uma das situações mais desconfortáveis nesse mundo)

Como decidi me mudar

A vida tem dessas, coisas inexplicáveis que nem um monge compreende.
Quem inventou a falsa despedida? Vai saber. Só sei da minha história, e aqui "vai ela" - com toda licença poética:

Estava no guichê para pagar o ticket do estacionamento e enquanto a atendente de forma despreocupada e sem intenção de sair do telefone carimbava o meu ticket, meu destino era selado. Saindo do guichê, me dirigindo à saída: foi ali que encontrei o outro personagem da minha história: José.

Não entenda mal, José era um cara legal no colégio. Sempre divertido e com algumas piadas de argentino de fazer boliviano bêbado rir. Mas agora ele tinha uma esposa, um filho e uma porção de histórias que só quem faz parte do clube dos pais entende. E meu formulário ainda não foi preenchido.

Foram vinte e três minutos e dezessete segundos contados de risos tortos e tentativas de me despedir. Quando finalmente consegui, foram dois minutos e dezessete segundos de uma despedida com longo aperto de mão. Pensei em cobrar o ticket por estacionar na minha mão, mas deixei pra lá.

Então eu fui para a direita, José para a esquerda. Era só dar a volta no bloco de lojas e chegar no elevador, mas lá estava ele. José e suas histórias de parto e primeiras palavras. Foi quando o samba da saída começou. Existe coisa pior que se despedir de alguém e descobrir que vocês dois vão para o mesmo lugar?

Frente a frente com o inimigo, o sorriso desconfortável e a longa espera pelo elevador, quando entramos, José apertou G2. Meu andar. Elegantemente menti:

- Ah, droga. Esqueci minha chave na loja.

José compreendeu com a sabedoria de um pai e segurou a porta do elevador antes que fechasse. Dei alguns passos de uma vergonha forçada e dei uma longa volta pelas lojas próximas. Fui até o elevador outra vez e comecei a esperar. Foi quando ouvi:

- E aí? Achou?

Era ele outra vez.

- Esqueci de pagar o ticket do estacionamento, acredita?

O ticket, José? Quem esquece de pagar o ticket? Pelo amor de Deus, José!

Quando entramos no elevador, fui descuidado o suficiente para apertar o G2.

- Ah, parou no G2 também?
- Não, no G3. Tava apertando pra você, Zé.

E nesse exato momento, visualizei minha longa caminhada entre os carros do G3. Pensei em decorar placas para passar o tempo. Algumas letras e dígitos depois, resolvi ir para o andar correto.

Elevador: livre.
Rápida olhada no G2: livre.

Sem sinal de José, fui caminhando até meu carro, quase batendo os pés no ar. A dois metros do destino, alguém se levanta e tomo um susto. Dez rúpias pra quem advinhar quem. Sim. José. Antes de conseguir me jogar do G2 a doze metros de altura sem deixar uma carta de suicídio, ele me vê:

- Você? Mas você não tinha parado no G2.

As pessoas se confundem, José. Elas se confundem com o tempo suficiente pra despistar outra.

- É, eu me enganei.
- Já achou?
- Hamram.. Aqui.
- Do lado do meu?
- Olha a sorte.. E você? Não saiu ainda por que?
- Arranharam meu carro..

Flashback: eu chegando com pressa. Um carro do lado. Celular toca na hora. Susto. Quando que eu coloquei um toque de uma criança gritando?

De volta ao presente, fui até a frente do meu carro e de forma sutil tirei a tinta azul do carro de José.

- Mas que azar, José.
- É, mas eu vou ali na sala de segurança pedir pra ver as fitas.
- Ih, José, eles nem gravam. Já aconteceu o mesmo comigo..
- E agora, rapaz?
- Melhor ir pra casa, quase não dá pra ver da porta da frente em diante..

Entrei no carro. José também. Saímos do shopping. Eu para a direita. José para a esquerda. Como combinado. Aliviado, baixei os vidros pra sentir a brisa da liberdade.
Um quilômetro depois, duas ruas se mergem. Um semáforo.

- Mas, rapaz, é destino, né?

Não, José, é aquela vez que eu vendi um brinquedo quebrado pra um amigo quando criança.
Ou aquela outra vez na semana passada em que eu coloquei cocô de cachorro numa caixa de chocolate e mandei entregar pro meu vizinho chato.

O nome disso é carma, José. E eu acabei de ganhar crédito por mais alguns anos.

O semáforo abriu e fomos reto. Antes do próximo, dobrei para a direita. José me olhou estranho. Ele sabe onde eu moro. Afinal, ele mora no condomínio em frente, mas por sorte temos horários bem diferentes.
A mensagem de texto que eu recebi dizia: "Se perdeu?"

Acabei de me mudar, José. Acabei de me mudar..

Para tudo que paro eu

(uma letra de música em "homenagem" ao acordo gramatical mais estúpido do mundo, as ironias estão em itálico para quem não lembra do que mudou)

Para tudo que paro eu

Ah, meu Senhor,
as pessoas já não crêem mais
E andam dizendo por aí
"tranqüilidade é trema de outros carnavais"

Ah, mas, Senhor,
quem foi que disse que tudo deveria ser tão simples
Eu sei que isso tudo vem de bom coração
mas cortaram minha língua e eu sou anti-repressão

Tudo bem, deixar de acentuar
tanta feiura que nesse mundo não tem mais lugar

Ah, por favor,
as pessoas já não vêem beleza
Andam dizendo por aí
que essa idéia já ficou pra trás

Ah, não, Senhor,
andam confundindo o meu amor
E nem sei o que fazer,
quando escrevo pára/para essa dor ou pára/para você?