segunda-feira, abril 30, 2007

Verde, Amarelo, Vermelho

(voltando às crônicas enquanto a parte final da trilogia mencionada anteriormente não fica pronta)

Verde, Amarelo, Vermelho

E essa história começa assim: verde, amarelo, vermelho.
Então param lado a lado, trocam olhares, fingem que nada aconteceu e ainda faltam cinco minutos, é um cruzamento movimentado.
Ele, discreto, põe o braço para fora do carro, não sem acidentalmente esbarrar no controle do vidro elétrico. Zum. Suor. Clique. Zum. Aparentemente, não era tão útil quanto fizeram-no acreditar na concessionária.

Quatro Minutos.

Ela, charmosa, desliza a mão pelo cabelo, olha para ele com o canto da visão, vê no banco do passageiro o pacote de salgadinho que acabara de comer e lembra de como havia reclamado do preço absurdo pago no Carlynho's Coiffeur, em vão agora. E aqui se faz necessário comentar o slogan do salão: "Uni-duni-tê-sex".

Três minutos.

Ninguém fala nada, a comunicação se dá por sinais quase todo o tempo, pura leitura corporal. Ela se estica para pegar o celular que está tocando em sua bolsa, encerra a ligação, sorri timidamente. Ele grita alguns números incompreensíveis, começava com um nove, ou seria um três? Tanto faz, são múltiplos. Era o número do seu telefone. Ela finge que entende, depois finge que anota, está com vergonha de acidentalmente perguntar outra vez.

Dois minutos.

Ele aumenta o volume de uma música qualquer que toca em seu carro, pouco se entende do irritante som grave que sai, apenas "duuuuuuh", "duuuuuuuh", "dugtz-duuuuuuuh", o que ilustra bem a situação. Como adendo para os que não conhecem o tipo, toda "aumentada de som" é acompanhada de um balançar de cabeça despreocupado com o ritmo, pelo menos aparentemente.

Um minuto.

Fica claro para ela que não haverá diálogo, enquanto é óbvio para ele que "duuuuuuh", o que ilustra bem nosso personagem. Sem telefones, nomes, e-mails, endereços. Nada trocado para uma posterior conversa.

Trinta segundos.

A situação já está incômoda, o pescoço dele dói, mas precisa continuar pois parece dar certo a tática do joão-bobo. Conclusão tirada pelo olhar fixo da moça, pena não ser possível ler os pensamentos, esses que, por mais incrível que possa parecer, se resumem a: "mas que duuuuuuh!", sempre adequado.

Quinze segundos.

Os pedestres atravessam apressados. Ela, calma, acabara de passar pelos cinco minutos mais perdidos de sua vida. Ele, (insira aqui uma onomatopéia que ilustre a situação).

Dez segundos.

"E o sinal não abre", pensa ela demonstrando um sorriso embaraçado.
"Ela é minha", pensa ele. Pensa ele?

Cinco segundos, quatro, três, dois, um.

Ele vai com mais uma história pra contar aos amigos sobre alguém que conheceu no trânsito, saiu, fez cada coisa que não acreditariam se falasse e nunca mais ligou.
Ela sobe os vidros e liga o ar-condicionado porque mais a frente - lembra - existe outro sinal.

quinta-feira, abril 26, 2007

17:57 (O tamanho do mundo)

(uma idéia que tive por acaso às 17:57, certo?)

17:57 (O tamanho do mundo)

Hoje acordei disposto a descobrir o tamanho do mundo, corri o mais rápido que pude só pra aprender que voltaria ao mesmo lugar. Então pulei. E pulei outra vez. Mas não fui muito longe. Logo construí a maior cama elástica que já se teve notícia, aí pulei mais algumas vezes pra voltar ao chão.

Lá em cima, no ir-e-vir da vida, eu olhei para todos os lados e percebi que seria impossível calcular o tamanho do mundo correndo, voltando, pulando, caindo. Mas estava certo de que descobriria, por isso não desisti e passei para o plano seguinte.

Fiz alguns cálculos, estudei e soube que não existe solução pra minha busca, nenhum livro soube me dizer com precisão quantas estrelas, cometas, galáxias e o que mais preenche o negro espaço existem.

Assim desisti de responder a essa pergunta por enquanto. E tantas respostas surgiram em mim na quietude, e um pouco mais de perguntas, e novas resposta, e o dobro de perguntas outra vez.

Foi quando saí de casa - sem rumo - e cheguei a lugar algum, talvez um pouco decepcionado, mas já não importava muito o que poderia acontecer. Aí parei. E sem pretensão olhei para o lado. Ali, tão perto, descansava tudo o que procurei todo esse tempo.

Encontrei o valor da amizade quando sorri e esse sorriso foi motivo de um outro, quando minha preocupação se tornou sua procura por ele em mim.
Entendi a importância da vida quando não mais precisei estender a mão sozinho, quando sua chegada anunciava em mim um inocente medo de sua partida, mas quem pode me culpar pelo receio de emprestar ao universo um pouco do que sou?

Foi aí que, em meio a tantas descobertas, me dei conta do tamanho do mundo, vai daqui até ali, e de lá até cá, simples assim.
No meio disso: eu, você e um pouquinho do que nos faz feliz.

terça-feira, abril 17, 2007

Catatonia

(Deixando de lado, por enquanto, as crônicas. É uma continuação de Ataraxia, parte dois de três, uma série.)

Catatonia

E tudo lá fora é movimento,
aqui, ouve-se o som de um silêncio, e eu.
Meu coma induzido sem sedativos,
minha resposta absoluta ao que me cerca.

"Talvez nunca acorde", diz em branco,
mas há muito esqueci de dormir.
E foi esse esquecimento, essa ferida aberta, esse oblívio
e tantos mais que esconderam a claridade.

Movimentem-se com a luz apagada
e que movimento terão?
Pois é aqui, com essa luz apagada,
que encontrei minha paz.

"Volta, por favor", sussurra em vermelho,
mas sequer tenho rumo.
E se quer, mal posso pensar,
já sou fotografia da inércia.

Pede uma explicação pra tal descontentamento,
mas não é óbvio se assim me privo de sentimento?
Por isso o movimento não existe aqui, uma vez sem luz,
e sobra esse eu, prolixo, pois já não há mais o que ser.

sexta-feira, abril 13, 2007

Um dia de folga

- Pois é, foi um parente muito próximo e preciso viajar pra cuidar dos arranjos funerários - disse pelo telefone à secretária do escritório.
- Tudo bem, avisarei o Sr.Marcos. Quando você volta?
- Provavelmente em sete dias.
- Ok, assim que ele chegar, aviso. Meus pêsames, Paulo. Muita paz pra você e sua família.
- Muito obrigado por tudo, Dona Célia. Até logo.
- Até.

Desligou o telefone e voltou a dormir, acabara de ganhar uma semana de folga.

Acordou meio-dia e pensou no que faria nessa semana, sua mulher estava viajando a trabalho e só voltaria em onze dias, teria a própria vida para si finalmente. Ficou encarando a pasta que levava para o trabalho e organizando a agenda do dia, logo decidiu ficar em casa, pedir comida chinesa e alugar Duro de Matar 1 e 2.

Que belo primeiro dia de recesso espiritual.

No dia seguinte, acordou uma e meia da tarde com um barulho. Levantou em um pulo - ainda com a essência de yakisoba no corpo e de Bruce Willis na mente - e foi verificar o que estava acontecendo com uma latinha de cerveja à mão, possivelmente para se proteger. Um vulto! Voltou correndo para o quarto e deixou escapar o barulho de uma leve cabeçada na porta. Então uma voz assustadora:

- Amor?

Calmamente, chegou à conclusão: p%&* que pariu!

Sua mulher voltara de viagem mais cedo - bem mais cedo.

- Oi, amor. O que você está fazendo aqui?
- Vim assim que soube, Paulo.
- Por deus, mulher, e como você soube? - tentando não demonstrar desespero.
- Liguei para o seu trabalho procurando por você e Dona Célia me disse o que havia acontecido. Tentei ligar para você, mas o celular só dava desligado e o telefone de casa ocupado.
- É que eu desliguei o celular e tirei o telefone do gancho pois não aguentava mais que me lembrassem da morte de titia - acabara de matar uma tia.
- Eu entendo, Paulo - segurou-o entre os braços -, e quando você viaja?
- Dona Célia falou isso também? - fazendo as contas de quanto gastaria com as passagens.
- Falou sim, ela se mostrou preocupada, disse nunca ter ouvido sua voz daquele jeito.
- É a tristeza - falou pensando no sono que estava quando ligou -, mas eu planejo viajar hoje de noite.
- Minhas malas já estão arrumadas e..
- Opa! Desculpa, mas você não vai - sem pensar.
- Mas por que?
- É que.. - pensa, Paulo -. É que.. - mais rápido, Paulão! -. É que eu preciso me despedir sozinho por tudo que ela me fez, você não tem idéia do quanto aquela mulher foi boa pra mim, um anjo! - parabéns, Paulo, acabou de aumentar a história.
- Nossa, não sabia que você era tão próxima dessa tia... Qual o nome mesmo?
- Marinalva - que nome é esse, Paulo?! Vai pelo menos lembrar depois? -, mar e alva.
- Posso perguntar o que ela fez por você?

Os próximos dez minutos foram preenchidos por histórias maravilhosas. A saga de tia Marinalva, uma santa, a mulher que cuidou de Paulo até os 14 anos... E um pouco de explicação:

- Mas você não estudou em um colégio interno até os dezesseis?
- É... Isso é o que todos pensam! Titia me tirou de lá quando tinha quatro anos pois sabia que me maltratavam!
- E o que você fez dos quatorze aos dezesseis pra sobreviver, já que ela só cuidou até os quatorze?
- Posso terminar a história? - ríspido.

Depois, Paulo contou da vez que a tia o salvou do Seu Tonho, um vizinho mal-encarado que queria surrá-lo, nunca havia visto uma mulher tão valente. Falou que a tia o ensinara a assobiar, empinar pipa, jogar bola, andar de bicicleta. Foi pai, mãe, irmã, irmão, avô e vó! Tudo em uma só mulher especial.

- Ela parecia ser uma mulher impressionante, querido.
- Ah, se era! Uma mãe pra mim - lágrimas.
- Tudo bem, amor, não precisa chorar. Você vai se despedir da sua tia e quando chegar estarei aqui te esperando, tá? E dê notícias enquanto estiver lá.
- Obrigado pela compreensão, Lúcia, significa muito pra mim.

Se abraçaram e Paulo foi fazer as malas.

Mais tarde, se despediram e o recém-querido sobrinho foi direto para um hotel do outro lado da cidade, onde pagou cinco diárias. Ligava uma ou duas vezes por dia para a mulher para falar como estava indo tudo. No primeiro:

- Oi, Lú! Cheguei aqui, desculpa não ter ligado antes, é que eu não queria te acordar e ainda precisava pegar o carro pra chegar à cidade de titia.
- Tudo bem, fiquei um pouco preocupada, mas imaginei que você não podia ligar ainda.
- Só liguei pra dizer que cheguei bem mesmo, estou indo ao IML improvisado aqui na cidade pra liberar o corpo pra funerária começar os arranjos da cremação, era um desejo de titia. Até mais, amor.
- Até! Qualquer coisa, só ligar!

Voltou a dormir. Acordou três horas depois, pediu comida do restaurante do hotel, comprou o pacote de canais adultos e teve o resto da tarde bem tranquila.

No segundo dia, aproveitou uma cena de enterro na televisão com muito choro e ligou para a mulher.

- Oi, amor!
- Oi, Paulo. Como estão as coisas? Quem é essa gente chorando?
- Ah, titia era muito querida por aqui, você não faz idéia - barulho de choro na TV.
- Nossa, gostaria muito de tê-la conhecido.
- É, queria que você tivesse a oportunidade também. Olha, amor, tenho que ir agora, tá bom? - acabara a cena do funeral e estava entrando uma outra com a viúva e o padre tirando a roupa.
- Tá bom, amor. Beijo.
- Tchau.

No terceiro, não ligou. Mas no quarto pôde explicar o motivo:

- Lú, não liguei ontem porque precisava de um tempo sozinho com os restos de tia Marinalva. Hoje de manhã, me despedi de vez e joguei as cinzas no poço perto da casa dela. Foi muito difícil.
- Percebi pela sua voz, amor, rouca e triste.
- É, mas estou melhor já, foi bom poder me despedir dela - colocando uma aspirina na boca e pensando que noite tivera ontem no bar do hotel.

Passou o resto do dia em uma feira de peças antigas procurando uma urna que parecesse ter abrigado os restos mortais de sua tia, pensou em guardar e levar para sustentar a história. Achou uma de 1938 por apenas $50, um ótimo negócio.

No dia seguinte, chegou em casa com a urna debaixo dos braços e uma expressão de "missão cumprida". Abraçou calorosamente a esposa e disse:

- Percebi o quanto você me faria falta, amor. Amo muito você!
- Ah, amorzinho! Também te amo muito!

E pôde ficar tranquilo que ela nunca desconfiaria.

No dia seguinte, voltou a trabalhar e contou à Dona Célia as histórias maravilhosas de tia Marinalva, logo começou a reunir todos do escritório para ouvi-lo. Alguns chegaram a chorar quando contou a história do dia em que titia o ajudou a salvar um lindo filhote de labrador dos irmãos Figueira, os dois valentões da cidade. Até o chefe, o Sr.Marcos, pôs a mão em seu ombro e disse:

- Filho, tenho certeza que sua tia está orgulhosa do homem que se tornou!

Um mês depois, foi promovido. Titia o ajudava até depois da morte. Ascendeu rapidamente na empresa. A esposa ficara ainda mais apaixonada após conhecer a saga de Marinalva. Logo tiveram um filho. Dois anos depois, outro. Uma linda família.

E os filhos cresceram. Um tem 16 anos e o outro 14, nesse exato momento, Paulo, Lúcia, Mário Alvo - em homenagem à tia - e Paulinho - mais novo - estão reunidos no quintal com a família do ex-chefe, hoje sócio. Paulo conta histórias incríveis sobre sua tia. Já são 18 anos desde que ela se foi e os amigos, filhos e a esposa nunca cansam de ouvi-lo. Já até repete histórias, hoje está contando sobre o Seu Tonho.

- Ah, o Seu Tonho, um bom homem, mas odiava crianças e eu vivia entrando na fazenda dele pra roubar goiaba. Vocês lembram da vez que... - e todos dizem que não, mas já ouviram a história mais de dez vezes.


E essa história fica por aqui, todos já foram dormir e Paulo está ajoelhado em frente à urna da tia pedindo proteção, assim como faz toda noite, até quando ninguém vê.


Hoje ninguém desconfia que a Tia Marinalva nunca existiu, inclusive ele.

quarta-feira, abril 04, 2007

Vizinhos

O alarme toca. Seis horas da manhã, hora de acordar. Seu Luís olha o relógio, dá o característico tapinha no botão para desligar, o barulho continua. Esfrega as mãos no rosto, acorda de verdade, associa esse som irritante e conclui o mesmo de todas as manhãs:

- Maldito seja esse mal-amado!

Seu Luís se referia a Jorge, um ex-coronel da aeronáutica de setenta e dois anos que serviu na Segunda Guerra. Seu vizinho há vinte, dos quais seu Luís passou dezenove anos e onze meses planejando como matá-lo. No primeiro mês de mudança, seu Jorge estava muito ocupado arrumando tudo, então era impossível saber que ele usaria esses dezenove anos e onze meses seguintes dando motivos para tal dedicação.
Não seria qualquer morte, mas algo torturante, muita dor, dor. Mais dor! Respiração, calma, relaxamento.. DESCARGA NINJA DE DOR INSUPORTÁVEL(a parte favorita dele)! Repete-se o ciclo 5 vezes e, finalmente, morre. Essa seria a fórmula do assassinato perfeito para o velho implicante que seu Luís havia desenvolvido em todos esses anos. O que o impedira de executá-la várias vezes foi não ter achado uma solução para fazer parecer um acidente, não queria incriminar quem não tivesse nada a ver com a história.
Até que numa noite de chuva, mudou de idéia, incriminaria alguém já que não existia outra solução, livraria-se do encosto a qualquer preço. O velho Jorge havia aprontado outra: enquanto seu vizinho saíra, pegou todos os sacos de lixo próximos e colocou na garagem de seu Luís, quando esse chegou, precisou descer do carro - na chuva, lembre-se - para tirar os dez sacos. Mas quisera ele ter sido simples assim, o ex-coronel havia rasgado o fundo de todos os sacos. Não é preciso dizer que seu Luís levou mais de vinte minutos pra tirar todo aquele lixo de sua garagem. Tudo enquanto seu vizinho, sentado na varanda apreciando o show, tomava uma xícara de café bem quente com prazer estampado no rosto, não mudando a expressão nem quando se queimou.
Seu Luís nem trocou de roupa. Sentou em sua poltrona e pôs-se a pensar alto:
- Um tiro.. Não, muito comum. Trezentos e cinquenta e sete facadas.. Não, muito cansativo. Já sei! Um susto! Um belo susto!
Dormiu como nunca havia dormido antes, ignorou os três papagaios que seu Jorge fazia questão de colocar perto de sua janela, os dois cachorros que discutiam a noite inteira.
Acordou com um sorriso, mesmo que tenha sido às 4:30 da manhã com um telefonema "anônimo":

- Alô? - disse seu Luís.
- Alô! - disse a voz.
- Quem fala?
- Agora eu, é minha vez.
- Gostaria de falar com quem?
- Com você, não mora mais ninguém aí.
- E você sabe quem eu sou?
- Não, mas posso te indicar um bom detetive pra você descobrir.
- O mesmo que descobriu que a tua mulher te traía?

Clic.

Estava de bom humor, era impossível negar. Saiu às oito horas com a sua melhor roupa e foi ao shopping. Passou uns minutos tentando se lembrar em que parte ficava aquela loja de fantasias. "Seria no segundo andar?". Não conseguia lembrar, mas era um dia feliz, então não teria problema colocar a dignidade - ou a teimosia, você escolhe - de lado e perguntar de alguém.

- Fica no segundo andar, do lado do quiosque de pretzel. E quando você passar ali, aproveita e pega uma amostra! Hoje estão servindo o de goiaba, o melhor de todos, levemente doce, incrivelmente suave, algumas pessoas dizem que o melhor é o..

Ouviu durante dois minutos e meio porque, afinal, era um dia feliz. Agradeceu, sorriu e seguiu seu caminho em direção à loja. Passou pelo quiosque de pretzel, provou o de goiaba - que era realmente muito bom - e entrou na "Fantasias da Vovó", pensou em alguns trocadilhos, duplos sentidos, mas logo focou seu objetivo principal outra vez.

- Você tem algum uniforme da Gestapo? - perguntou.
- Hein? - respondeu o atendente de forma objetiva.
- Da Gestapo.
- Em que filme apareceu esse monstro? É tanta fantasia que me confunde.
- Tem algum uniforme nazista?
- Ah, esse tem sim! Só um minutinho que eu vou pegar.

Enquanto esperava, olhou à sua volta imaginando porque alguém se fantasiaria de uma esponja amarela que usa bermuda. Vai entender esse mundo de hoje, né, seu Luís?

- Achei - retorna o atendente.
- Perfeita - observa -, quanto?
- Alugar ou comprar?
- Comprar - pensou que valeria a pena ter como lembrança.
- Comprar sai por duzentos.
- Duzentos numa fantasia?
- Mas essa tem até aquela plaquinha com as cobrinhas dentro, a "swat" - apontando pro símbolo nazista.
- Huuuum - seu Luís respira, conta até dez, imagina um lindo campo verde com céu azul -, tá, eu vou levar, já que essa tem até a "swat".

Saiu da loja um pouco estressado, lembrou do que faria mais tarde, sorriu outra vez. Pegou outro pedaço de pretzel, sorriu ainda mais. Chegou em casa, sentou na poltrona - ainda úmida devido ao dia anterior -, viu um pouco de TV, perguntou-se outra vez qual o sentido de uma esponja amarela de bermuda e esperou calmamente até que o relógio mostrasse duas e meia da manhã.
Vestiu o uniforme da Gestapo, colocou um bigode falso imitando Hitler, pegou um velho rifle seu que nunca funcionou, caminhou em direção à casa de seu Jorge, entrou pela porta dos fundos - ele sempre deixou a chave no vaso de plantas -, dirigiu-se ao quarto, encontrou a vítima deitada como havia imaginado.
O führer ficou em pé na cama, apontou o rifle que não funciona para seu inimigo, encheu os pulmões e:

- INVASÃO NAZISTA! AH!

Nada.

- PERIGA ALEMON!

Nada.

Estranho. Pôs a mão sobre a carótida. Não respirava. Começou a bater no peito do morto com raiva, gritando, acordou os vizinhos, os vizinhos chamaram a polícia, a polícia chegou, achou seu Luís armado em cima do cadáver. Foi preso em flagrante, homicídio doloso.

...

Dizem as más línguas que ficou preso por apenas dois anos até perceberem que não deveria estar ali, só então foi mandado a um hospital psiquiátrico onde repete sem parar, ainda com o bigode do führer:

- Maldita seja esse mal-amada!

domingo, abril 01, 2007

A história de Roberto

Roberto era um cara simples e calmo. Nunca precisou levantar a voz pra ninguém. Quer dizer, precisou várias vezes, mas não quis, Roberto não era desse tipo que perdia a paciência. Nem quando sua mulher costumava passar tempo demais com aquele professor argentino de tênis e mesmo assim sempre gritava "gol" quando fechava um game. Para se ter uma idéia, Roberto era tão simples e calmo que a incentivava dizendo que nesse ritmo ela poderia disputar a Taça Guanabara. Que homem compreensivo!
Mas e quando furaram os quatro pneus do carro dele na universidade em que dá aula? Correu atrás dos dois vândalos, os segurou pelos braços e os obrigou a dizer que nunca mais fariam isso! Fez até jurarem! Conferiu inclusive se estavam cruzando os dedos! Olha, nesse dia me enganei pensando que Roberto havia mudado e nunca mais seria aquele homem passivo.
Mas no dia seguinte.. Ah! O dia seguinte.
Andando na rua - acreditem no que vou contar! -, um rapaz perguntou as horas ao Betão:
- Com licença. Você tem horas, amigo?
- Tinha! - falou tirando o relógio e já puxando a carteira enquanto descalçava os sapatos.

Eu ainda acreditava que mudaria apesar de tudo. E mudou. Finalmente, nosso ilustre personagem - que eu juro ser fictício! - estava no shopping e entrou em uma loja de moda feminina. Não, não era pra ele mesmo, apenas planejava comprar algo bonito para sua mulher, que, por coincidência, veja como esse mundo é pequeno, era também a mulher do professor argentino de tênis, do instrutor da auto-escola que ela fazia aulas de direção há 2 anos, entre outros.
Bem, continuando... Roberto escolheu um lindo e atraente baby doll vermelho e, enquanto esperava no balcão que a transação com o cartão de crédito fosse concluída, a atendente tomou iniciativa:
- É difícil achar homens assim hoje em dia, que lembram da mulher - descansando a mão em cima da mão de Roberto.
- É o que dizem - sem mudar a expressão facial.
- Eu só encontro cafajestes! Quando acho um gentil, deixo escapar, mas queria muito mudar isso - chegando mais perto.

Congelem a imagem! É aqui que a história muda!
Chega desse Roberto que aceita tudo o que impõem! Um novo homem surge em seu pônei branco!

Play.

Um corte na edição.
Entra cena de nosso herói deixando a loja - visão de suas costas.
Corta para a imagem de seu rosto.
Nem levou o baby doll, saiu da loja ofendido!
Indignado! Estarrecido! Abobalhado - sem trocadilhos, juro!

Tá certo, Roberto! Não respeitam mais nem os casados!
Que homem!